Além das Aparências: Análise de Risco nas Compras e Vendas de Imóveis

Vou lhe contar a história do momento em que um cliente percebeu que seu oásis era uma mera miragem.

Era o primeiro imóvel que ele iria comprar. Um apartamento belíssimo, em um condomínio conhecido na cidade. Logo de cara ficou encantado com a boa conservação do ambiente, sacada ampla, móveis planejados, piso nos trinques e até mesmo uma lavanderia em cômodo próprio.

R$620 mil nessa belezinha.

Foi de encher os olhos. O cliente raspou o cofrinho, abriu mão de um carro e já foi à imobiliária fechar o negócio.

Ocorre que, em seu primeiro mês no apartamento, o síndico bateu em sua porta para dar as boas-vindas e aproveitar para negociar a dívida.

Oi? Que dívida?

O dono anterior teve a capacidade de acumular um débito de quase R$200mil (sim, duzentos mil!) de dívidas condominiais – fora o IPTU em atraso, mas isso o cliente só teve notícia depois – tudo de dívidas acessórias: condomínio, taxa de incêndio, taxa de coleta de resíduos sólidos urbanos, dentre outros.

Não. Não foi engano.

Dívidas de imóveis tem a peculiaridade de serem do próprio bem, e não do proprietário. A dívida não segue a pessoa que lhe gerou. Então quem compra imóvel sem o devido cuidado, acaba assumindo essa encrenca.

“Ah, mas eu me recuso! Eu não tive nada a ver com isso. Comprei o apartamento, agora é outra história”.

Pois é, se o credor (no caso, o condomínio) quiser executar essa dívida, corre-se o perigo de o próprio imóvel ir a leilão para poder quitar.

E não adianta usar o argumento “Ah, mas é bem de família!”, pois quando falamos  em dívidas do próprio imóvel (IPTU; contribuições de condomínio), sobra para o próprio imóvel se pagar.

Enfim, coisas do direito civil.

A primeira coisa que o cliente fez foi correr atrás da imobiliária. Que, por sua vez, respondeu que analisou a certidão de débitos condominiais e que tudo estava ok.

E é aí que piorou.

Em vez de checar diretamente com o síndico do condomínio, a imobiliária simplesmente aceitou uma certidão que o vendedor apresentou. E pasmem! O “bonito”, sabendo que constaria essa enorme dívida, decidiu forjar uma certidão falsa em seu favor.

Após colocar a pedra no sapato de outro, o antigo proprietário sumiu do mapa.

Enfim, o processo tramita até hoje, sem achar o antigo proprietário, e tentando fazer a imobiliária se responsabilizar pelo descuido.

O QUE PODERIA TER SIDO FEITO DIFERENTE?

A Due Dilligence ou Análise de Riscos é um serviço em que o advogado revira o histórico do imóvel e investiga os antigos proprietários, analisando detalhadamente se há algum risco nessa compra.

TIPOS DE RISCOS

Como visto na história acima, a dívida do imóvel é a mais comum. No entanto, não é o único risco.

Também há o perigo de você perder o imóvel por motivos variados, seja em razão de:

I- O vendedor nem sequer era o proprietário (lembre-se, só é dono quem registra no cartório), mas apenas um potencial herdeiro do bem, com a partilha ainda em curso, podendo ainda o imóvel ser partilhado entre os demais herdeiros;

II- O imóvel pode estar irregular, fazendo com que você tenha um gasto adicional com sua regularização (que não é dinheiro de troco, afinal, envolve emolumentos, impostos, e até mesmo uma ação judicial),

III- Haver algum ônus (impedimento) no imóvel, por exemplo, usufruto em favor de terceiro. Você tem a propriedade em seu nome, mas não pode utilizá-la, já que não tem a posse.

A lista continua…

A PARTE MAIS SENSÍVEL DO CORPO HUMANO: O BOLSO

A sua saúde financeira não pode ser negligenciada, e sabemos como a compra de um imóvel é decisiva nesse momento. Pode te quebrar, te enriquecer ou pelo menos te dar estabilidade.

A maioria das pessoas compra apenas uma vez, para adquirir seu lar.  Você não vai simplesmente desperdiçar todo aquele dinheiro suado em um mau negócio, vai? Lembre-se de todas as alegrias adiadas só para juntar uma grana. Muitas vezes, são economias de décadas.

Agora pense, o vendedor tem auxílio da imobiliária e do corretor, ambos visando fechar a venda. E quem defende os seus interesses?

A análise de risco é apresentada em forma de relatório do qual constam todas as informações obtidas e os documentos analisados (mostra-se a cobra e o porrete). Ela também é utilizada para traçar as rotas mais seguras para a realização do negócio ou para simplesmente recomendar que ele não seja fechado.

Sim, no mundo dos negócios nem tudo termina bem. E já que é assim, melhor que o bloqueio da estrada apareça antes do prejuízo.

O fogo só arde em quem põe a mão.

No caso da dívida, se o cliente soubesse de sua existência antes de fechar o negócio, ele poderia muito bem usá-la até mesmo a seu favor, como fator de barganha para um preço melhor. Já sabe o que pessoas espertas fazem quando aparece um limão pelo caminho, né?

“Tudo bem, aceito esse preço. Mas você vai ter que abater no valor do imóvel.”

Se o cliente já estava comprando por R$620 mil, imagine por R$420mil?

Há aqueles que deixam para lá e procuram outra pessoa para dar o “bote”, mas também já vi muitos vendedores de boa fé que só querem seguir em frente, fazendo o que tem que ser feito.

É o caso de quando a análise de risco detecta que o imóvel está irregular. O valor que você gastará na regularização, poderia muito bem ser abatido do preço total do imóvel. É justo e acontece muito.

Quem rala no verão, dorme tranquilo no inverno.

Por Roberta Komori com colaboração de Rodrigo de Pádua

Veja também

Contratação de mão de obra

Contratação de mão de obra na construção: CLT, MEI ou prestador de serviços? Existem dois tipos de construtores: os que foram processados e os que

Contratação de mão de obra

Contratação de mão de obra na construção: CLT, MEI ou prestador de serviços? Existem dois tipos de construtores: os que foram processados e os que