ASSUMI UMA OBRA, E AGORA? QUAIS MINHAS RESPONSABILIDADES?
Não tem nada pior do que ter que arcar com um custo inesperado, não é mesmo?
Ao longo de qualquer obra maior que trocar uma pia, sempre surgem diversos problemas: aumento de preço nos materiais, clientes infinitamente indecisos, reparos surpresa, mão de obra que desaparece e tantos outros.
Antes da fase de execução de uma obra, tudo flui: os cálculos, os projetos, a elaboração do cronograma de obra… Até aqui, estamos falando de uma ciência exata. Agora, a partir do momento em que as coisas deixam de depender do construtor, ou seja, quando envolvemos o cliente e/ou funcionários no meio, pode anotar: senta que lá vem problema.
É bastante comum que empresários da construção civil, tenham dor de cabeça por criar expectativas de lucros em obras, mas sem estimar os desafios que podem surgir. Desafios que poderiam ser facilmente tratados no momento de formalizar a negociação, com a elaboração do contrato certo.
Uma das maneiras de prevenir isso é o cuidado na hora de escolher a modalidade de contratação. Este é o primeiro passo para garantir que a jornada comece e termine na direção correta. Além de traçar os meios e objetivos a serem alcançados, ele ainda prevê qual será o plano ‘b’ caso algo dê errado (o que quase sempre acontece). Além disso, garante direitos a ambas as partes envolvidas. Isso mesmo, não é só o cliente que têm direitos! Ou, como diz um velho amigo do ramo, “empresário também é gente”.
E não ache que contrato é tudo a mesma coisa. Os modelos que circulam no Google foram idealizados para serem isso mesmo: ‘mo-de-los’. As chances de o construtor encontrar o modelo certo para os objetivos dele são ínfimas. Menores que as chances de se construir uma casa com zero intercorrências.
Fora isso, um mau contrato pode muito bem agravar a situação que já é complicada. Lembre-se que no Brasil praticamente tudo é interpretado a favor do consumidor.
Por isso, vamos tratar aqui os tipos de contratos de construção, para não haver erros na hora de formalizar o que for negociado com o seu cliente, e para não correr o risco de assumir responsabilidades que você não tem.
CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO E SEUS REFLEXOS
Na construção civil os contratos com o dono da obra podem ser de administração ou de empreitada, sendo estes subdivididos em empreitada “de lavor” ou “mista”. Assim, há três tipos de contratos a serem usados, conforme o objetivo:
Contrato de empreitada de lavor (ou de mão de obra)
É usado quando a construtora fornece apenas a mão de obra, sendo os materiais fornecidos pelo contratante.
Qual a vantagem deste contrato?
Imagine que em uma bela manhã o cliente te ligue para reclamar que todos os pisos que havia comprado para empregar na obra tenham sido furtados! Ele diz: “Agora você quem se vire para repor, eu nem sequer visitei a obra! A responsabilidade é sua.”.
E aí? Será que é mesmo?
Nesta modalidade, o construtor poderia responder ao cliente: “Fulano, conforme estipulado no contrato, a construtora não se responsabiliza por nenhum dano ou sumiço dos materiais durante a obra, nem mesmo em razão de tempestades!”.
O quão útil é isso? Você conseguir usar o contrato como escudo em vez de temê-lo.
Em resumo, nessa modalidade o construtor só responderá pelos materiais caso seus funcionários, por sua culpa, danificarem/destruírem o material. Não respondendo por casos alheios como eventos da natureza.
Contrato de empreitada mista
Aqui a história é diferente. Nesta modalidade, a construtora fornecerá tanto a mão de obra quanto os materiais. É o tipo mais problemático – e com mais responsabilidade para o construtor. Além de contemplar todas as dificuldades da gestão de recursos humanos, deve também trazer instrumentos para compensar oscilações bruscas nos preços dos materiais. Fora que no exemplo da chuva e/ou de furto, a construtora responderia por ter o dever de vigiar os materiais.
E quem atua no ramo já sabe que é rotineiro cliente mudar de planos. Por isso, um contrato abrangente, com cláusulas simples e equilibradas, é vital para o êxito do negócio. Cliente quer colocar um piso mais caro? Sem problemas, é só pagar antecipadamente a diferença de preço do produto (e da mão-de-obra) e seguir o baile.
Sem a previsão escrita, tudo certamente vai acabar em bate boca ou ação judicial.
Contrato por administração
A empresa não fornece materiais e nem mão de obra. Suas atribuições se resumem em apenas administrar a construção, recebendo um valor pré-determinado ou uma porcentagem sobre todas as despesas na construção.
Suponhamos que o Sr. João tenha o sonho de construir sua casa dos sonhos. Ele imagina um imóvel com dois andares, piscina, varanda gourmet, uma suíte com banheira e um jardim de inverno belíssimo.
Opa! Mas aí ele percebe que não tem nenhuma referência de mão de obra, não sabe qual material empregar, qual fornecedor confiar. Puxa! Como sequer se faz uma piscina? Precisa escavar um buraco?
E é aí que entra a figura do contrato por administração.
Nesse cenário, sugere-se que o Sr. João deixe tudo por conta de quem realmente entende. Tudo será contratado e comprado em nome do cliente, mas quem vai correr atrás de tudo, utilizar o seu melhor know how é a construtora, que estipula uma porcentagem para cada etapa, conforme sua complexidade.
QUAL CONTRATO É O MAIS SEGURO?
Agora que você conhece quais modalidades existem, precisará entender como cada contrato atrai ou afasta determinadas responsabilidades. Cada obra tem suas especificidades, por isso não existe o “melhor” contrato, e sim qual o contrato melhor se adequa aos seus objetivos.
O contrato mais seguro é aquele que condiz com a sua realidade. Afinal, não adianta nada estipular mil coisas no papel e nenhuma cláusula ser útil na prática.
Para isso, deve-se considerar alguns pontos:
- Quem deve arcar com o estrago de materiais de má qualidade?
- De que é a responsabilidade pelo CNO?
- Quem assume responsabilidade pelo aumento de preço depois de assinado o contrato?
- Quem responde por danos causados pela mão de obra?
- Como ficam as responsabilidades em caso de demanda trabalhista?
A responsabilidade será em parte ditada pela modalidade de contrato escolhida, e em parte livremente prevista pelas partes.
VANTAGENS DE ESCOLHER O CONTRATO CERTO
O grande problema de usar o mesmo contrato para toda e qualquer negociação, é a falta de clareza no serviço que será de fato prestado. É mais ou menos como colocar uma Ferrari na estrada de terra. Não termina bem.
Imagine que a obra é entregue e o cliente a rejeite por alegar que “não foi construído uma varanda gourmet”. Ao explicar que este serviço não estava incluso na construção do imóvel, a primeira coisa que o dono da obra vai pensar é: “mas eu achei que tinha”. Se isso estivesse explícito em um contrato, não haveria espaço para discussão e nem uma preocupação com algum eventual processo.
Ou seja, a falta de um contrato apropriado torna o negócio nebuloso. E em meio à neblina, cada um vai buscar uma interpretação que favoreça a si próprio. E com armas na mão. Lembre-se: onde há omissão, haverá ambiguidade de interpretações. Afinal, cada um quer garantir o seu peixe.
Quando você escolhe e define a forma que seu serviço será prestado, sabendo exatamente quais são os limites daquela relação, começa a existir um bom roteiro de viagem. Sabe-se quais as metas, o cronograma, os perigos e os planos de contingência.
Por Roberta Komori com colaboração de Rodrigo de Pádua.